Política de moeda ou moeda política?
- Francisco Lhano
- 11 de ago. de 2023
- 4 min de leitura
O tema da política monetária está na ordem do dia. A crise inflacionista que derivou da pandemia da Covid-19 e da invasão russa da Ucrânia despoletou um aumento de preços que não encontra precedente na história recente da Zona Euro. Taxas de juro que eram das mais baixas do mundo vieram para valores recorde. Este mês, e após nova subida das taxas de juro pelo BCE, o custo do financiamento na Zona Euro atingirá o valor mais alto desde 2008.
Podia tornar este artigo numa discussão extensiva sobre a forma de política monetária que considero mais correta. No entanto, decidi seguir por outro caminho e analisar as declarações que, erradamente e de forma muito populista, os nossos governantes decidiram fazer sobre o tema.
A política monetária serviu como mais uma moeda política numa guerra acesa entre São Bento e Belém. Neste caso, e dada a complexidade do tema em discussão, assistimos a um triste espetáculo de populismo e desconhecimento da realidade atual e histórica da política monetária em Portugal, que culminou em duas conferências de imprensa que seriam quase cómicas, não fossem os oradores o Chefe de Estado e o Primeiro-Ministro.
Marcelo Rebelo de Sousa, como nos habituou, foi o primeiro a falar sobre o tema, afirmando que a subida das taxas de juro tem “um efeito de perturbação nas pessoas, nas economias e nos mercados, que não é bom para ninguém”. António Costa respondeu no dia seguinte como sempre nos habitou… com a mania que é mais esperto que todos os outros, chegando ao ponto de dizer que, da parte do BCE, “não tem havido suficiente compreensão da natureza específica do ciclo inflacionista”.
A facilidade com que declarações deste tipo são proferidas na praça pública é preocupante. Assistimos a dois políticos, ambos sem qualquer formação em economia ou experiência em bancos centrais, totalmente convencidos de que a sua visão sobre a política monetária da Zona Euro é a correta. Vamos então ver o que a história nos diz sobre políticos que tentam meter a colher na política monetária.
Historicamente, os países desenvolvidos têm atribuído a política monetária a uma entidade independente, o banco central. No entanto, temos casos em que essa independência foi posta em causa. O melhor exemplo é a Argentina, onde sucessivos governos implementaram políticas totalmente desprovidas de base científica, como forma de ganhar o apoio popular. O resultado? A taxa de inflação anual, em Março de 2023, fixou-se nos 102,5%, o valor mais alto dos últimos 30 anos. Mas estes números não desencorajam os populistas, nem nos países vizinhos, já que Lula da Silva é um dos grandes críticos da independência do banco central do Brasil, medida implementada no controverso governo de Jair Bolsonaro.
A América Latina é outro mundo, dirá o leitor. Viremos então a nossa atenção para Portugal. Aquando da adesão à CEE, em 1986, a taxa de variação do Índice de Preços no Consumidor fixou-se nos 12,56%, que, apesar de ser um número assustador, representava, à época, o valor mais baixo desde 1972.
E apesar da taxa de inflação ter vindo a descer ao longo da consolidação de Portugal no projeto europeu, em 2001 (último ano do Escudo como moeda nacional), a taxa de inflação foi ainda de 4,37%. Para o leitor enquadrar este número, isto é um valor mais alto do que qualquer valor que tivemos desde que aderimos ao Euro (excluindo 2022, o ano de início da crise inflacionista).
Assim, é evidente que Portugal beneficiou, e muito, em termos de estabilidade, com a centralização da política monetária numa entidade supranacional. Portugal nunca foi exemplo no que a baixas taxas de inflação diz respeito. A entrada na Zona Euro permitiu que a nossa moeda fosse sustentada também por economias mais pujantes e estáveis do que a nossa, o que se revelou fundamental para a manutenção de taxas de inflação (e de juro) muito baixas ao longo de quase 20 anos de moeda única.
Mas nem a estabilidade e o progresso são barreiras para os populistas. À primeira grande dificuldade para a Zona Euro, aqueles que a deviam defender são os primeiros a saltar fora, lançando críticas pouco fundamentadas e pondo em causa uma entidade que, durante anos, conseguiu que Portugal tivesse algo que nunca tinha tido: uma moeda sólida.
Num povo com tão pouca literacia financeira como o nosso, estas críticas aderem perigosamente, e podem vir a trazer graves consequências para a credibilidade das instituições europeias junto da população portuguesa.
Merecíamos mais dos nossos políticos. Merecíamos que a noção e a consciência fizessem parte da ação política. Este triste espetáculo não beneficia ninguém, nem nos ajudará a sair desta perigosa crise inflacionista.
Só sairemos da crise com recurso a uma política monetária cientificamente sustentada, proposta e executada por uma entidade competente, onde têm assento vários grandes nomes da ciência económica. Esta entidade tem de ser independente, e esta independência tem de ser respeitada por quem governa.
Merecíamos melhor, sim. Mas cabe-nos a nós contribuir para que seja diferente. Saibamos estar à altura de tamanha responsabilidade.
Francisco Lhano
Economista
Commenti