Donaldmania: Trump no Reino da Fezada (Parte I)
- Fernando Santos
- 7 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 11 de abr.
As decisões de política comercial têm efeitos profundos que, muitas vezes, escapam aos cálculos imediatos e que, por esse motivo exigem uma análise séria, não apenas económica, mas estratégica e geopolítica.
A decisão da administração de Donald Trump de impor tarifas “recíprocas” sobre as importações oriundas de praticamente todos os países do mundo (salvo a Rússia imagine-se) é disso exemplo.
Mais do que económica, trata-se de uma decisão política que é reflexo de uma visão profundamente enviesada do mundo e do comércio internacional. Um mundo onde antigas alianças são colocadas em causa em diretos televisivos e a aplicação do direito internacional e até mesmo os fundamentos das principais teorias económicas deixam de fazer qualquer sentido. É como se estivéssemos a entrar no campo da física quântica, só que aplicado à economia e às relações internacionais.

Ao invés de um processo de tomada de decisões racional, baseado em dados reais e conhecimento científico consolidado, assistimos antes a algo que apenas se pode descrever como uma verdadeira “fezada”.
Porque é disso mesmo que se trata: uma crença inabalável e insofismável por parte da administração Trump que aquilo que sai da mente do 47.º Presidente dos EUA tem de facto alguma ligação com a realidade. Só que não…
Logo para começar nas supostas tarifas aduaneiras de proporções estratosféricas que o mundo inteiro concertado (sabe-se lá em que fórum) estava a aplicar aos EUA e, desta forma, a enriquecer à custa da pobre classe operária americana que, por seu turno, via paulatinamente desaparecer as suas empresas e os seus postos de trabalho.
Não só os valores apresentados por Trump não correspondem a quaisquer impostos ou taxas que estejam efetivamente a ser aplicadas sobre produtos americanos, como os Estados Unidos até estão a atravessar um período de crescimento económico e pleno emprego. Quer isto dizer que, por destruição de emprego que possa ter ocorrido no sector secundário (e ocorreu), a economia norte americana tem conseguido encontrar formas de se reinventar e criar novas oportunidades com acréscimo de valor acrescentado e alocação plena da sua força de trabalho.
Então que sentido faz o grande anúncio do “Dia da Libertação”? Do ponto de vista aduaneiro, nenhum. No entanto, se olharmos para a fórmula que foi utilizada para chegar ao valor concreto de cada tarifa, podemos aspirar a ter um vislumbre do que poderá ter sido o pensamento de Donald Trump e da sua entourage política.
Os valores com que o Presidente dos Estados Unidos presenteou o mundo, no poético Jardim das Rosas, eram, nada mais nada menos, do que a percentagem do déficit comercial dos EUA em relação a cada país.
E dito assim começa a ser inteligível, pois é conhecido o facto de os EUA terem um déficit comercial e uma dívida pública demasiado elevada, com alguns economistas reputados a declararem, inclusive, preocupação com a sua sustentabilidade no médio e longo prazo.
Esta é de igual modo uma das principais bandeiras políticas da atual administração, concretizada através da criação do Departamento de Eficiência Governamental encabeçado por Elon Musk, e da implementação de um programa de despedimentos em massa, com vista ao corte de 2 Triliões de dólares de despesa do governo federal.
Contudo, esta medida per si, para lá de injusta e perniciosa, não é de longe suficiente para resolver estes dois problemas estruturais da economia americana. Por este motivo, confrontado com uma inflação que teima em não baixar dos 3% e um governador da Reserva Federal que não aceita baixar as taxas de juro nem comprometer a independência da instituição, Donald Trump e os seus conselheiros podem genuinamente ter acreditado que a única solução para equilibrar a balança comercial e fazer baixar a dívida pública seria decretar o aumento de todos os produtos importados, minar o papel do dólar como divisa de referência para as transações internacionais, e dessa forma desvalorizá-lo e dar um incentivo as exportações.
E já agora, por um passo de mágica, que esta dinâmica teria também o condão de revitalizar a indústria norte-americana e recuperar os milhares de postos de trabalho que as grandes empresas norte-americanas, nos últimos 35 anos, deslocalizaram para os países emergentes.
Afinal de contas é desse revivalismo que se alimenta o MAGA: Make America Great Again.
Ao contrário da grande paragona que Trump está a tentar criar, a imposição de tarifas sobre produtos importados não irá fortalecer a economia doméstica dos EUA nem recuperar os postos de trabalho da indústria pesada do Rust Belt. Apenas a irá tornar mais cara e menos atrativa para o investimento interno e internacional.
Sinal disso mesmo foram os avisos das agências de rating e a forte reação dos mercados em antecipação a uma possível recessão, o que levou a capitalização dos principais índices bolsistas a cair mais de 8% no curto espaço de três dias. Afinal de contas os agentes económicos movem-se de acordo com expectativas racionais e não atraídos por miragens que, por maior que seja a fezada, nunca se irão materializar.
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