Educação em Portugal: Entre a Tradição e a Urgência de uma Inovação Sistémica
- Sandra Alves
- 9 de abr.
- 3 min de leitura
Apesar dos sucessivos esforços de modernização, o sistema de ensino em Portugal continua amarrado a práticas e estruturas desajustadas à realidade contemporânea. É urgente repensar o modelo educativo, apostando numa reforma assente na estabilidade curricular, numa inclusão efetiva, no envolvimento ativo da comunidade e na valorização das atividades extracurriculares — princípios sustentados por evidência científica e por modelos bem-sucedidos em contextos internacionais.

A educação é, como afirmaram Bourdieu e Passeron (1970), o verdadeiro elevador social. No entanto, o nosso sistema de ensino mantém-se, em muitos aspetos, preso a uma lógica pedagógica desatualizada, alheia aos avanços tecnológicos, científicos e sociais das últimas décadas. A ausência de uma visão integradora e de um compromisso político consistente compromete a eficácia do ensino e perpetua desigualdades geracionais e territoriais.
A atual estrutura curricular apresenta redundâncias entre ciclos, com conteúdos repetitivos que revelam uma fragmentação pedagógica, dificultando a construção de aprendizagens significativas e progressivas. A instabilidade gerada pela constante mudança de programas, manuais escolares e modelos de avaliação, frequentemente determinada por agendas políticas de curto prazo, gera incertezas nos alunos e acentua o desgaste dos professores. A isto junta-se uma carga burocrática crescente que reduz drasticamente o tempo disponível para preparar e refletir sobre as práticas pedagógicas.
A situação do corpo docente é alarmante: muitos professores enfrentam situações de “burnout”, agravadas pela indisciplina, pelas exigências administrativas e pela frustração de não conseguirem dar resposta às necessidades individuais dos seus alunos.
Perante este cenário, é imperativo estabelecer um acordo interpartidário que assegure a estabilidade dos programas escolares, por ciclos (1.º, 2.º, 3.º e ensino secundário), durante pelo menos uma década. Este pacto deve contemplar:
Estabilidade dos currículos e dos modelos de avaliação;
Atualizações curriculares baseadas em evidência científica e pedagógica;
Evitar alterações desnecessárias nos manuais escolares;
Definir regras claras para as transições entre ciclos de ensino.
A escola inclusiva, preconizada há décadas, ainda está longe de ser uma realidade. A verdadeira inclusão exige a presença regular e suficiente de equipas multidisciplinares — psicólogos, terapeutas, técnicos especializados e professores com formação em educação especial — em número adequado à dimensão e complexidade de cada comunidade escolar (UNESCO, 2020). Só assim será possível garantir uma resposta equitativa a todos os alunos.
Simultaneamente, é essencial cultivar o sentido de cidadania e participação desde os primeiros anos de escolaridade. Para isso, deve ser promovida a criação de associações de estudantes em todos os ciclos de ensino, com regras simplificadas, permitindo aos alunos organizar e participar em iniciativas como:
O Dia das Comunidades Imigrantes;
O Dia das Profissões (com participação de familiares);
O Dia da Apresentação de Projetos;
Outras celebrações definidas pelos Conselhos de Escola.
Estas práticas reforçam a ligação entre a escola e a sua comunidade, promovem a diversidade cultural e desenvolvem o sentido de pertença dos alunos. A escola deve abrir-se à comunidade, partilhar os seus espaços e permitir que todos participem na construção de um projeto educativo coletivo.
A escola deve ser, acima de tudo, um espaço de desenvolvimento humano integral. Para isso, é fundamental criar clubes extracurriculares, com financiamento e apoio institucional, em áreas como:
Cidadania e participação cívica;
Desporto e atividade física;
Artes plásticas, literatura, dramatologia e artes performativas;
Ciências experimentais, sustentabilidade ambiental e ecologia;
Música, canto e dança;
Alimentação saudável e culinária nutritiva.
Estas atividades são essenciais para o desenvolvimento de competências socio emocionais, criatividade, pensamento crítico e espírito colaborativo. Numa era de tecnologias cada vez mais sofisticadas, como a inteligência artificial, é imperativo humanizar as escolas, as pessoas e as comunidades. A tecnologia deve servir o humano — nunca substituí-lo.
A articulação entre escolas com ensino profissional e o tecido económico local é outro eixo estratégico. Estágios curriculares integrados nas empresas, comércio e serviços da região permitem alinhar a formação dos jovens com as necessidades reais do mercado de trabalho, aumentando a sua empregabilidade e reforçando os laços com a comunidade.
A melhoria da educação em Portugal exige visão sistémica, planeamento a longo prazo e o reforço das redes de cooperação entre escola, família e comunidade. Como diz o provérbio africano: “é preciso uma aldeia para educar uma criança”. É tempo de abrir as portas das escolas, construir pontes entre saberes e pessoas, e dar corpo a uma educação transformadora, inclusiva, humanizada, estável e centrada no bem comum.
Sandra Alves
Gestora e Mobilizadora Social
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