Confiança nos sistemas de saúde
- Hugo Ferreira
- 15 de ago. de 2023
- 4 min de leitura
Os sistemas de saúde, um pouco por todo o mundo, enfrentam desafios sem precedentes e, em alguns casos, crises reais.
Portugal não é exceção. Estes desafios manifestam-se de diversas maneiras, em diferentes graus, em diferentes geografias, mas não são inevitáveis. Por um lado, alguns países recuperaram bem da pandemia. Por outro lado, sistemas que no passado representaram faróis pelos quais nos guiávamos, atualmente sofrem cronicamente de ineficaz investimento, inclusão e inovação. Não há que ter complacência. Sofremos de dificuldades de acesso a cuidados de saúde, unidades sobrelotadas, atendimento inadequado e necessidades não atendidas. No entanto, no cerne da questão está a perda de confiança no SNS. Isso é evidente em três relações importantes:

Há uma perda de confiança por parte da população no sistema de saúde, no que diz respeito a se este estará disponível quando dele precisar. Será o sistema de saúde capaz de se transformar para responder às necessidades das pessoas e às expectativas em constante evolução? Em risco está a solidariedade que sustenta o modelo social europeu.
Tal personifica-se numa perda de confiança tanto nos profissionais de saúde como nos políticos, fruto das dificuldades em obter os cuidados de saúde necessários e em tempo útil, assim como uma crescente disseminação de desinformação.
Mas este é um fenómeno que não afeta apenas a população. Os profissionais de saúde também perdem a confiança no sistema de saúde, e não se sentem valorizados.
E tal não é sem consequências para a retenção e, até agora em menor escala, para a capacidade de recrutamento. No entanto, quando adicionadas as implicações do rápido envelhecimento da população, está em risco a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Os profissionais têm de poder acreditar que as suas condições de trabalho podem ser transformadas de modo a refletir as suas necessidades. Têm direito como qualquer trabalhador ao descanso, a uma remuneração digna de acordo com o valor social que produzem, e tempo para dedicar também às suas famílias. Desejam a possibilidade de prestar os cuidados que ambicionam para aqueles pelos quais são responsáveis.
Por último, os políticos não têm confiança que os sistemas de saúde sejam parte da solução, mas parte do problema. Sem essa confiança, é compreensível que estejam relutantes em defender os investimentos necessários para os desafios futuros.
É necessário colocar a pessoa no centro da ação do sistema de saúde e da sociedade. Há que apostar em prevenção, diminuir a carga de doença e reduzir a pressão sobre os serviços. Apostar na saúde corresponde ao tempo que cada cidadão investe na sua saúde diariamente.

A saúde tal como a educação são pré-requisitos para o desenvolvimento pleno do ser humano e para o usufruto da liberdade.
Ou seja, procura-se uma ação concertada em redor de uma visão que tenha como como objetivo uma “profunda transformação dos sistemas de saúde e assistência social, com a perspetiva de uma sociedade digital, inovadora e orientada para resultados centrados nas pessoas”.
É consensual que os cuidados são melhor prestados quando o foco é a parceria entre os profissionais, o paciente e seus cuidadores. E neste ponto, a tecnologia deve servir de elo de ligação inquestionável. Os profissionais de saúde trabalham cada vez mais em equipa, em processos colaborativos, comunicativos e multidisciplinares. O paciente e os seus cuidadores estão cada vez mais informados sobre si próprios e suas condições. Auxiliados por dispositivos digitais, pela Internet, equipamentos terapêuticos e de diagnóstico de ponta, e inteligência artificial, a tecnologia tornou a saúde ubíqua.
O desafio é então garantir que as pessoas certas, com as competências certas, estejam reunidas no local certo, à hora certa, para prestar os cuidados mais adequados e convenientes para os pacientes.
Muitos dos problemas que os sistemas de saúde enfrentam hoje são consequências do fracasso em atingir este desiderato.

Se os sistemas de saúde se transformarem de modo a permitir que estes cuidados sejam prestados, tal aumentará a confiança que tantas vezes falta.
Os pacientes valorizam os serviços que são desenhados para responder às suas necessidades e expectativas. Os profissionais que escolheram as suas carreiras porque desejam prestar cuidados de saúde de qualidade e empáticos, sentir-se-ão apoiados, valorizados e o desejo de continuar a sua missão. Os políticos sentirão que os investimentos que precisam de fazer nos sistemas de saúde serão empregues de forma a fazer a diferença na vida das pessoas.
E, finalmente, a transformação será mais provável se for alicerçada no conceito de co-criação. Isto significa que os problemas devem ser identificados e articulados por quem está na linha da frente, doentes e profissionais, cabendo às autoridades de saúde e aos governos apoiar o desenvolvimento e implementação de soluções, reconhecendo os inevitáveis constrangimentos de recursos. Desta forma, os envolvidos terão confiança na inovação e na sua implementação.
Já existem exemplos de integração eficaz dos serviços de ação social e de saúde, cuidados de qualidade prestado em zonas desfavorecidas graças a unidades móveis e a novas ferramentas digitais, inclusão dos doentes nos processos de de cisão e melhoramento.
Portanto, desafio é ampliar esta realidade. Essas soluções exigirão, na maioria dos casos, repensar os elementos necessários para oferecer cuidados eficazes e adequados centrados na pessoa, e tal exigirá um novo pensamento sobre os papéis, responsabilidades e estatuto dos três principais intervenientes: profissionais de saúde, paciente e cuidadores, e tecnologia.
A confiança demora anos a construir, segundos a destruir e uma vida para reconstruir. Recuperar a confiança no sistema de saúde é um desafio que estamos dispostos aceitar, que não estamos dispostos a adiar, e que temos intenção de vencer. Mas requer coragem para transformar e responsabilidade para participar.
Hugo Ferreira
Médico
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